quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Emenda do Divorcio e o Direito Intertemporal

Segue artigo da minha autoria.


A EMENDA DO DIVÓRCIO E O DIREITO INTERTEMPORAL



Marco Aurélio Marques Félix Filho[1]



            A realização deste texto teve como sapata situação prática que me ocorreu: ao mês de dezembro último fui procurado, em meu escritório, por um cliente do qual se casou aos 03 de agosto de 1996 pelo Regime de Comunhão Parcial de Bens. Em não havendo mais afeto entre o casal transitou regularmente em julgado, aos 11 de julho de 2003 a separação consensual do mesmo na Comarca de Jaboticabal, Estado de São Paulo. Com domicílio e residência em Belo Horizonte e vivendo em união estável no momento hodierno meu cliente solicitou maiores informações quanto ao divórcio haja vista o interesse em converter a entidade familiar da qual jaz em matrimônio.

Assim, surgiram-me as seguintes dúvidas: Qual a situação jurídica das pessoas separadas judicialmente quando da promulgação da Emenda Constitucional nº. 66, de 13 de julho de 2010? É possível seja realizado o divórcio nos termos da Lei nº. 11.441, de 04 de janeiro de 2007? Em não havendo consenso quanto à aplicabilidade da lei supramencionada na questão anterior, qual a competência para o ajuizamento da respectiva ação de divórcio? Seria o caso de ação de divórcio por si só ou necessário o desarquivamento dos autos de separação consensual na Comarca de Jaboticabal/SP e o pedido de conversão da separação em divórcio?

Assim, passo a tratar do tema escolhido sucintamente bem como me proponho a solucionar a questão posta.

Pois bem. A Emenda Constitucional nº. 66, de 13 de julho de 2010 veio a dar nova redação ao § 6º, do artigo 226, da Constituição Federal de 1998, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.

Importante se faz a sua transcrição para melhor visualização:

“Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. (NR)

Observa-se, com o novo texto a supressão da separação, direta e indireta, do ordenamento jurídico brasileiro.

É bem verdade que uma vez superado o desquite, que segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho é “... instituto de influência religiosa que gerava somente a dissolução da sociedade conjugal, com a manutenção do vínculo conjugal e a impossibilidade jurídica de contrair formalmente novas núpcias, o que gerava tão só ‘famílias clandestinas’, destinatárias de preconceito e rejeição social” [2], pode-se dizer que em uma segunda fase a Lei do Divórcio “não cuidou apenas da dissolução do vínculo matrimonial; disciplinou também outras matérias, pertinentes ao Direito de Família, como a separação judicial, a guarda de filhos, a isonomia na filiação e o uso do nome” [3].

Segundo, ainda, os autores, sobre a Lei do Divórcio: (Página 40-41):

“Durante mais de duas décadas, portanto, até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a lei de 1977 conviveu com o Código Civil de 1916”.

“E sua atuação foi realmente muito importante, constituindo-se no diploma normativo básico sobre o tema, atuando o Código Civil brasileiro como norma supletiva”.

“Até mesmo hoje, a par de existir uma nova diretriz da disciplina do divórcio, com sede constitucional, a Lei nº. 6.515/77 (juntamente com o Código Civil), em determinados pontos, ainda é aplicável na sistematização normativa da matéria, especialmente de ordem processual”. (SEM OS GRIFOS NO ORIGINAL)

Com efeito, a Lei nº. 6.515/77, em apertada síntese, preveu a separação judicial passando esta a ser requisito necessário e prévio para o pedido de divórcio, que tinha de aguardar a consumação de um prazo de três anos.

“A idéia de exigência do decurso de um lapso temporal entre a separação judicial – extinguindo o consórcio entre os cônjuges – e o efetivo divórcio – extinguindo, definitivamente, o casamento – tinha a suposta finalidade de permitir e instar os separados a uma reconciliação antes que dessem o passo definitivo para o fim do vínculo matrimonial”.[4]

A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, “consolidou-se o divórcio direto, aperfeiçoando a tíbia previsão da Lei nº. 6.515/77, sem extinguir, porém, o divórcio indireto (decorrente da conversão da separação judicial)”.[5]

Desta forma, o divórcio direto passou a ser aceito expressamente pelo texto constitucional, com eficácia imediata, tendo por único requisito o decurso do lapso temporal de mais de dois anos de separação de fato, sendo certo que, para o divórcio indireto, o decurso de lapso temporal era de um ano, da separação judicial.

Assim, em 2010, levando-se em consideração que “hoje em dia, a rapidez com que os relacionamentos começam e acabam, incrementada, sobretudo, pela velocidade da informação e dos meios, em geral, de interação social, não justifica mais um modelo superado de fossilização do casamento falido, impeditivo da formação de outros arranjos familiares” [6], e mais, ainda, o Princípio do Afeto, decorrente do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Ver Informativo nº. 626, STF), foi promulgada a “PEC DO AMOR” ou “PEC DO DIVÓRCIO”, deixando de ser contemplada, como já exposto, a separação judicial na Constituição.

“Desapareceu igualmente, o requisito temporal para o divórcio, que passou a ser exclusivamente direto, tanto o por mútuo consentimento dos cônjuges quanto o litigioso” [7]

Trata-se de completa mudança de paradigma sobre o tema, em que o Estado busca afastar-se da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante”.[8]

É o reconhecimento do divórcio como o simples exercício de um direito potestativo”.[9]

Feitas essas considerações, pretende-se esclarecer as potenciais questões práticas em relação a situações consolidadas ou em curso quando da promulgação da Emenda Constitucional do Divórcio, ainda que proposta inesgotável, pelo que, à medida que o dia a dia traga novas dúvidas.

O primeiro ponto suscitado foi sobre a situação jurídica das pessoas separadas judicialmente quando da promulgação da referida Emenda Constitucional.

As pessoas já separadas ao tempo da promulgação da Emenda NÃO PODEM SER CONSIDERADAS automaticamente divorciadas.

“Em outras palavras: a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional, as pessoas judicialmente separadas (por meio de sentença proferida ou escritura pública lavrada) não se tornariam imediatamente divorciadas, exigindo-lhes o necessário pedido de decretação do divórcio, para o que, por óbvio, não haveria mais a necessidade de cômputo de qualquer prazo”.[10]

A segunda questão levantada foi sobre a realização do divórcio nos termos da Lei nº. 11.441, de 04 de janeiro de 2007.

“Atendendo ao reclamo da comunidade jurídica brasileira, e da própria sociedade, para desjudicialização das separações conjugais quando não houvesse litígio, a Lei nº. 11.441/2007 introduziu a possibilidade de o divórcio ou a separação consensuais serem feitos pela via administrativa, mediante escritura pública”.[11]

Destarte, é possível seja realizado o divórcio extrajudicial observado o artigo 1.124-A, do Código de Processo Civil conjugado com a Emenda do Divórcio; fazendo-se a seguinte leitura:

“Art. 1.124-A – O divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal, poderá ser realizado por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento”.

A terceira questão promovida se dá em não havendo consenso quanto à aplicabilidade da lei supramencionada no item anterior, qual a competência para o ajuizamento da respectiva ação de divórcio?

No que dedilha aos aspectos do procedimento judicial do divórcio, inclusive, competência, estou de acordo com o posicionamento dos doutos Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que dizem:

“No que tange à competência para o processamento da postulação de divórcio, reputamos, em tese, inconstitucional a regra constante no art. 100, I, do Código de Processo Civil, segundo a qual ‘é competente o foro da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento’ (redação dada pela Lei nº. 6.515/77)”.[12]

“Com o justo avanço dos direitos da mulher em nosso País, na perspectiva constitucional da isonomia, preceito normativo que pretenda a fixação de foro apenas levando em conta o sexo de uma das partes é anacrônico, injusto, senão surreal”.[13] (SEM OS GRIFOS NO ORIGINAL)

“Na hipótese de o autor ou o interessado no pedido de conversão ser incapaz ou alimentando (beneficiário do direito aos alimentos), aí, a fixação do seu domicílio se justificaria, não simplesmente pela sua condição sexual, mas sim pela sua justificável hipossuficiência”.[14] (SEM OS GRIFOS NO ORIGINAL)

“Fora de tais hipóteses, portanto, há de se observar a regra geral de foro de domicílio do réu (art. 94 do CPC), não sendo obrigatória, vale lembrar, a formulação do pedido de conversão perante o mesmo juízo prolator da sentença de separação”.[15] (SEM OS GRIFOS NO ORIGINAL)

Não se aceita, assim, a adoção de uma posição simplista tão somente amparada no sexo do divorciando, pois isso menoscaba a própria condição jurídica da mulher.

Em sentido semelhante, julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. HIPÓTESE DE REJEIÇÃO. COMPETÊNCIA DO FORO DO ALIMENTANDO. A competência especial de que trata o inciso II do art. 100 do CPC, competência do foro do alimentando, nas ações em que se discute os alimentos deve preponderar sobre a presunção iuris tantum prevista no inciso I do aludido dispositivo legal, é competência do foro da mulher nas ações de divórcio e separação. No caso em exame, a regra de competência do foro do menor deve prevalecer em relação ao da mulher, já que persiste o litígio tão somente no tocante à guarda e alimentos. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO (AgI 70024998445, TJRS 7ª Câm. Cív., Rel. André Luiz Planella Villarinho, j. em 26-6-2008).

“Nessa linha de raciocínio, conclui Wesley Andrade com precisão:

‘Estatui o art. 100, inc. I, do CPC, que é competente o foro do domicílio da residência da mulher para a ação de conversão de separação em divórcio. Porém, ao nosso sentir, o foro privilegiado da mulher casada não se coaduna com o princípio da igualdade, ou isonomia, estampado na Constituição Federal. Sabe-se que tal princípio é auto-aplicável e deve ser considerado sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei é exigência dirigida aos legisladores que, no processo de formação da norma, não poderá incluir fatores de discriminação que rompam com a ordem isonômica. A igualdade perante a lei pressupõe a lei já elaborada e dirige-se aos demais Poderes, que, ao aplicá-la, não poderá subordiná-la a critérios que ensejam tratamento seletivo ou discriminatório (STF, RDA 183/143). Para a Carta Magna homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, inc. I). Portanto, a Constituição pôs homem e mulher em pé de igualdade, sem preconceitos e, principalmente, sem discriminações. E essa igualdade deve ser observada tanto no plano do direito material como no do direito processual, de modo que não há falar-se em foro privilegiado da mulher em detrimento do homem. Yussef Said Cahali compartilha do mesmo entendimento: Temos para nós que já não mais prevalece o foro privilegiado, assim estabelecido a benefício da mulher casada, porquanto conflita com princípio da igualdade entre os cônjuges, proclamado no art. 226, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (Divórcio e Separação, tomo1, 8ª edição, RT, p. 594). Entretanto, nossos tribunais continuam firmes no sentido de que o foro da residência da mulher é o competente para o pedido de conversão da separação judicial em divórcio (e.g., STJ, REsp 27.483/SP, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 07.04.1997, p. 11112), deixando de observar a incongruência entre a norma ordinária e a norma constitucional. Data venia, esse pensamento merece reforma, porque com a evolução dos tempos a mulher deixou de ser a parte fraca da relação jurídica processual. A prática mostra constantemente situações em que a mulher é superior intelectual e financeiramente ao homem. Quanto que esse último aspecto, segundo pesquisa de emprego elaborada pelo IBGE, as mulheres estão conseguindo mais trabalho do que os homens; em 1995 as mulheres eram responsáveis por 23% das famílias brasileiras; em 1999 cuidavam da casa, da saúde e das finanças de 26% dos lares. E mais: conforme pesquisa sobre a condição de vida feita pela Fundação SEADE, as mulheres já são maioria entre os trabalhadores brasileiros, com participação de 51% na força de trabalho. Perfilho o entendimento, de lege ferenda, de que a competência às ações de separação e divórcio, direto ou indireto, é fixada pelo domicílio do marido ou da mulher. Contudo, a fim de garantir a igualdade real, o direito de acesso ao Judiciário, a ampla defesa e o contraditório, pode o cônjuge hipossuficiente ajuizar a ação de divórcio ou separação no foro do seu domicílio ou suscitar a incompetência relativa quando a ação foi ajuizada noutro foro. Inexistindo parte economicamente fraça, aquelas ações poderão ser ajuizadas tanto no domicílio do varão ou da virago. Cabe, portanto, ao magistrado, em sede de exceção de incompetência, aferir qual das partes é hipossuficiente em relação à outra, reconhecendo a competência do foro do domicílio da primeira”.[16]

“E ressalte-se, finalmente, que a incompetência do foro NÃO PODE SER RECONHECIDA DE OFÍCIO PELO JUIZ, exigindo-se que a parte interessada oponha a exceção devida, consoante já assentado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA RELATIVA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. A incompetência relativa não pode ser suscitada de ofício pelo juiz (Súmula 33) (CComp 10.768/PE, 2ª Seção, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 26-10-1994, DJ de 28-11-1994, p. 32554)”[17]

Assim, por todo o conteúdo material e processual explicitado, em não havendo filhos menores ou incapazes e muito menos bens a partilhar foi ajuizada ação de divórcio na comarca de domicílio e residência atual do meu cliente da qual foi requerido, entre os pedidos, citação por edital, nos termos do artigo 231, I, do Código de Processo Civil, por se encontrar a Ré em local incerto e não sabido.




[1] Advogado, pós graduado “latu sensu” em Direito com especialização em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus e pós graduando em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro de Estudos Jurídicos – CEAJUFE.
[2] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 39.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  40.
[4] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  41.
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  42.
[6] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  25.
[7] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  43.
[8] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  43.

[9] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  43.

[10] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  139-140.

[11] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  66.

[12] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  132.

[13] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  132.

[14] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  132.

[15] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  132.

[16] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.  133-134.
[17] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. O Novo Divórcio. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 134.

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