terça-feira, 28 de agosto de 2012

Personalidade Civil X Direitos da Personalidade

Não há que se confundir a PERSONALIDADE CIVIL com os DIREITOS DA PERSONALIDADE. É sabido que a personalidade civil é a capacidade de adquirir direitos e contrair deveres na ordem civil (art. 1º, do CC/02). E mais, segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald "titularizar a personalidade jurídica significa, em concreto, ter uma tutela jurídica especial, consistente em reclamar direitos fundamentais, imprescindíveis ao exercício de uma vida digna".
Já os direitos da personalidade, previstos de forma exemplificativa e não taxativa nos artigos 11 a 21, do NCC, constituem verdadeiros direitos subjetivos atinentes à própria condição de pessoa humana, e são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no artigo 1º, III, da CF/88.
 
- NASCITURO
 
"Art. 2º, NCC - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
 
Faz jus a percepção da indenização do seguro DPVAT o nascituro morto - natimorto - em razão de aborto provocado por ocasião de acidente por veículo automotor em via terrestre? A respeito ver REsp 1.120.176/SC, STJ - https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=12374511&sReg=200900175950&sData=20110204&sTipo=91&formato=PDF .
 
- TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
 
Pode a pessoa, em iminente risco de vida, negar-se a transfusão sanguínea por convicção religiosa? E se os interesses forem de incapaz?
 
 
. Ver RHC 7785, STJ.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Artigo

Excelente o artigo intitulado PRINCIPIOLOGIA PENAL E GARANTIA CONSTITUCIONAL À INTIMIDADE do Procurador de Justiça de Minas Gerais Rogério Greco.
Disponível no livro TEMAS ATUAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Editora LUMEN JURIS.

domingo, 19 de agosto de 2012

Retorno

Olá pessoal! Espero que estejam bem! Após alguns meses dedicados exclusivamente a advocacia retomei os estudos e irei sempre compartilhar dos mesmos neste espaço.
Oriento sobre a importância da leitura dos INFORMATIVOS do STF e do STJ.

DIREITO PENAL

Gosto muito do livro do Promotor de Justiça em São Paulo, Cleber Masson: http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3891283?pac_id=33120&gclid=CITZmIqT9bECFQY5nAodXGoAGw

A respeito dos PRINCÍPIOS PENAIS FUNDAMENTAIS (resumo já postado) segue jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ, sobre o Princípio da Reserva Legal ou da Estrita Legalidade.

A) PRINCIPIO DA LEGALIDADE OU DA RESERVA PENAL


O principio da legalidade ou da reserva legal constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal.


“... Feuerbach, no inicio do século XIX, consagrou o principio da reserva legal através da formula latina ‘nullum crimen, nulla poena sine lege’. O principio da reserva legal e um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o tem negado”.[3]


..., pode-se dizer que, pelo principio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras e função exclusiva da lei, isto e, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida”.[4]


A Constituição Federal de 1988, ao proteger os direitos e garantias fundamentais, em seu artigo 5º, inciso XXXIX, determina que “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal”.


“O principio da legalidade (da reserva legal) esta inscrito no art. 1º do Código Penal: ‘Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem previa cominação legal’. Representa ele talvez a mais importante conquista de índole política, constituindo norma básica do Direito Penal moderno. Na nova Constituição Federal, em redação superior as anteriores, dispõe-se que ‘não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal (art. 5º, XXXIX)”.[5]


- PRINCIPIO DA LEGALIDADE E AS LEIS VAGAS, INDETERMINADAS OU IMPRECISAS.


“Em termos de sanções criminais são inadmissíveis, pelo principio da legalidade, expressões vagas, equivocas ou ambíguas. Nesse sentido profetiza Claus Roxin, afirmando que: ‘uma lei indeterminada ou imprecisa e, por isso mesmo, pouco clara não pode proteger o cidadão da arbitrariedade, porque não implica uma autolimitaçao do ‘ius puniendi’ estatal, ao qual se possa recorrer. Ademais, contraria o principio da divisão dos poderes, porque permite ao juiz realizar a interpretação que quiser, invadindo, dessa forma, a esfera do legislativo”.[6]
 
STJ ("COLA ELETRÔNICA" X CRIME DE ESTELIONATO)
 
 
 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

STF - entendimento sobre porte de arma sem munição

2ª Turma reafirma entendimento sobre porte de arma sem munição

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão desta terça-feira (28) o julgamento conjunto de três Habeas Corpus (HCs 102087, 102826 e 103826) impetrados em favor de cidadãos que portavam armas de fogo sem munição. Por maioria de votos, o colegiado entendeu que o fato de o armamento estar desmuniciado não descaracteriza o crime previsto no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que pune com pena de reclusão de dois a quatro anos, além de multa, quem porta ilegalmente arma de fogo de uso permitido.
A decisão de hoje reafirma posição que já vinha sendo adotada no STF: a de que o Estatuto do Desarmamento criminaliza o porte de arma, funcione ela ou não. O julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que abriu a divergência e foi seguido pelos demais integrantes da Turma. Para o ministro, a intenção do legislador ao editar a norma foi responder a um quadro específico de violência, não cabendo, nesse caso, discutir se a arma funcionaria ou não.
O relator dos três HCs, ministro Celso de Mello, ficou vencido, na medida em que concedia as ordens por entender inexistente a justa causa para a instauração da persecução penal nesta circunstância. Seu posicionamento levou em consideração princípios como a ofensividade e a lesividade. 
“Como nas três situações as armas de fogo se apresentavam completamente desmuniciadas e sem a possibilidade de imediato acesso do seu portador às munições, entendi inexistente a justa causa, que seria necessária a legitimar a válida instauração de persecução penal. Entendo não se revestir de tipicidade penal a conduta do agente que, embora sem a devida autorização, traz consigo arma de fogo desmuniciada e cuja pronta utilização se mostra inviável ante a impossibilidade material de acesso imediato à munição”, explicou o decano do STF. 

Informativo nº. 654 - STF

Seguem as "TRANSCRIÇÕES" do informativo nº. 654, do Supremo Tribunal Federal.


“Habeas Corpus” – Assistente do MP – Intervenção – Inadmissibilidade (Transcrições)

HC 93.033/RJ*

RELATOR: Min. Celso de Mello

 
EMENTA: PROCESSO DEHABEAS CORPUS”. ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. INADMISSIBILIDADE. ATIVIDADE PROCESSUAL DESSE TERCEIRO INTERVENIENTE SUJEITA A REGIME DE DIREITO ESTRITO. ATUAÇÃOAD COADJUVANDUMQUE SE LIMITA, UNICAMENTE, À PARTICIPAÇÃO EM PROCESSOS PENAIS DE NATUREZA CONDENATÓRIA. AÇÃO DEHABEAS CORPUSCOMO INSTRUMENTO DE ATIVAÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES. ILEGITIMIDADE DO INGRESSO, EM REFERIDA AÇÃO CONSTITUCIONAL, DO ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. CONSEQÜENTE DESENTRANHAMENTO DAS PEÇAS DOCUMENTAIS QUE ESSE TERCEIRO INTERVENIENTE PRODUZIU NO PROCESSO DE “HABEAS CORPUS”.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, que, impetrado em favor de **, insurge-se contra acórdão emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idêntico processo, denegou, a esse mesmo paciente, o “writ” constitucional lá ajuizado.

O assistente do Ministério Público, ingressando, indevidamente, neste processo de “habeas corpus”, promoveu a juntada de diversos documentos aos presentes autos.

Passo a apreciar esse incidente processual. E, ao fazê-lo, determino o desentranhamento de referidas peças documentais.

É que a intervenção do assistente do Ministério Público, na presente causa, não se justifica, pois lhe falece legitimidade para atuar no processo penal de “habeas corpus”.

Sabemos que, na ação de “habeas corpus”, os sujeitos da relação processual penal, além do órgão judiciário competente para julgá-la, são, apenas, (1) o impetrante, (2) o paciente, (3) a autoridade apontada como coatora e (4) o Ministério Público.

Eles compõem o quadro dos elementos subjetivos essenciais da relação jurídico-processual do “habeas corpus”. São, por isso mesmo, os sujeitos processuais relevantes, principais e imprescindíveis da ação de “habeas corpus”, não obstante PONTES DE MIRANDA, em clássica monografia sobre o tema (“História e Prática do Habeas Corpus”, tomo II, p. 23/24, § 105, 7ª ed., 1972, Borsoi), e ao versar essa mesma questão, tenha acrescentado, ao rol, a figura, por ele reputada essencial, do detentor do paciente.

As vítimas de infração penal (desde que perseguível mediante ação pública), ou aquelas pessoas mencionadas no art. 268 do Código de Processo Penal, mesmo quando habilitadas como assistentes da Acusação - o que só ocorre nos crimes de ação penal pública (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 594, item n. 268.6, 7ª ed., 2000, Atlas; EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 573, item n. 268.1, 2ª ed., 2011, Lumen Juris; EDILSON MOUGENOT BONFIM, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 518, 3ª ed., 2010, Saraiva, v.g.) - não possuem qualidade nem dispõem de legitimação, por ausência absoluta de previsão legal, para intervir no procedimento judicial de “habeas corpus”.

Na realidade, a atividade processual do assistente do Ministério Público não se revela ampla nem ilimitada, especialmente no que concerne à sua participação no processo de “habeas corpus”, eis que são de direito estrito as faculdades jurídicas a ele outorgadas pelo ordenamento positivo (CPP, art. 271, “caput”).

O assistente do Ministério Público, bem por isso, somente pode intervir “ad coadjuvandum” no processo penal condenatório (CPP, art. 268), cabendo-lhe, no plano estrito das ações penais de condenação - com as quais não se confunde a ação de “habeas corpus” (JOSÉ FREDERICO MARQUES, Elementos de Direito Processual Penal”, vol. 4/380-382, item n. 1.178, 1965, Forense) -, a prerrogativa de propor meios de prova, de formular perguntas às testemunhas, de participar do debate oral, de arrazoar os recursos interpostos pelo “Parquetou por ele próprio, inclusive extraordinariamente, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 (CPP, art. 271, “caput”, e Súmula 210/STF), e de requerer, a partir de 04/07/2011, a decretação de prisão preventiva e a imposição ou a substituição, por outras, de medidas cautelares de natureza pessoal, quando descumpridas (CPP, art. 282, § 4º, e art. 311, na redação dada pela Lei nº 12.403/2011).

Vê-se, portanto, que a atividade processual do assistente do Ministério Público sofre explícitas limitações impostas pelo ordenamento positivo, a cuja disciplina está ela juridicamente sujeita. É por isso que o assistente do Ministério Público, mesmo nas estritas hipóteses legais que justificam a sua intervenção assistencial, “... não pode recorrer, extraordinariamente, de decisão concessiva dehabeas corpus” (Súmula 208/STF - grifei); não pode recorrer da sentença de pronúncia (RTJ 49/344); não pode, ainda, interpor recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, de decisão que absolve o condenado em revisão criminal (RTJ 70/500).

A inadmissibilidade da participação do assistente do Ministério Público na relação processual instaurada com a impetração do “habeas corpustem sido reconhecida por prestigiosa doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 225, 23ª ed., 2009, Saraiva; EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 580, 2ª ed., 2011, Lumen Juris; MARCELLUS POLASTRI, “Manual de Processo Penal”, p. 534, 5ª ed., 2010, Lumen Juris; REINALDO ROSSANO ALVES, “Direito Processual Penal”, p. 178, 7ª ed., 2010, Impetus, v.g.), valendo referir, quanto a esse tema, a lição de JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 595, 7ª ed., 1999, Atlas), para quem não se justifica a intervenção do assistente do Ministério Público no processo de “habeas corpus”:


Prevendo a lei a intervenção do assistente apenas na ‘ação pública’, ou seja, ação condenatória, não se tem admitido, com razão, sua participação nos processos de ‘habeas corpus’, em que não há acusação nem contraditório.” (grifei)

 
Tem-se reconhecido, por isso mesmo, em face da estrita disciplina que rege a atuação processual do assistente do Ministério Público, a ilegitimidade de sua intervenção no processo de “habeas corpus”, ainda quando formalmente habilitado como terceiro interveniente. Essa posição tem prevalecido na jurisprudência dos Tribunais (RT 376/230 - RT 545/307 - RT 546/318 - RT 557/350 – RT 598/325 – RT 685/351), inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 56/693-695, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI – RTJ 126/154, Rel. Min. MOREIRA ALVES - HC 79.118-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

No processo de ‘Habeas Corpusnão é admissível a intervenção do Assistente da Acusação, mesmo que este haja sido admitido no processo da ação penal pública condenatória. Pela mesma razão não tem direito a sustentar oralmente suas razões contrárias à concessão do ‘writ’.

Precedentes.

(HC 72.710/MG, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – grifei)

 

Também o E. Superior Tribunal de Justiça - apreciando essa mesma questão – tem perfilhado igual orientação, rejeitando a possibilidade de intervenção do assistente do Ministério Público no processo penal de “habeas corpus:

Processo penal. ‘Habeas corpus’. Assistente de acusação. Inadmissibilidade.

Não cabe intervenção do assistente da acusação no processo de habeas corpus’, visto como a função do assistente é restrita à parte acusatória (art. 271 do CPP), enquanto que, no ‘habeas corpus’, onde não existe sequer acusação, o Ministério Público não desempenha o papel de acusador, e sim de fiscal da lei. Precedentes jurisprudenciais.

(RT 666/352, Rel. Min. ASSIS TOLEDO - grifei)

O assistente da acusação, portanto, é um “extraneusna formação da relação processual penal instaurada com o ajuizamento da ação de “habeas corpus”. Não ostentando a condição jurídico-formal de litigante nesse processo não condenatório, não há como invocar a regra consubstanciada no art. 268 do Código de Processo Penal, cuja incidência restringe-se ao plano das ações penais condenatórias.

Não custa enfatizar, desse modo, que, no processo penal de “habeas corpus”, o assistente da acusação não é parte nem ostenta a condição de litigante. Parte adversa ao impetrante/paciente é o próprio Estado, cuja atuação administrativa ou jurisdicional enseja o ajuizamento do “writ”. Compõem, destarte, a relação processual penal instaurada com a impetração do “habeas corpus”, como litigantes - e, portanto, como destinatários da garantia do contraditório proclamada pelo art. 5º, LV, da Constituição - o impetrante/paciente, de um lado, e a autoridade coatora, de outro. Daí a observação de JOSÉ FREDERICO MARQUES (op. cit., vol. 4/406), no sentido de que o conteúdo do processo de “habeas corpus é uma lide ou litígio entre o que sofre a coação ou ameaça ao direito de ir e vir, e o Estado, representado pela autoridade coatora”.

O assistente da acusação, na realidade, é terceiro formalmente estranho à discussão, que, sob a égide do contraditório, se estabelece no processo penal de “habeas corpusentre o paciente e o Estado. Não há como se lhe aplicar a garantia inscrita no art. 5º, LV, da Constituição, pois, não sendo parte litigante nesse procedimento penal não condenatório, não pode, o assistente do Ministério Público, pretender o amparo da cláusula constitucional mencionada.

Cumpre assinalar, ainda, que pertence, ao Estado, de modo absoluto, o direito de punir.

A circunstância de o Ministério Público poder intervir no processo de “habeas corpus”, nas condições referidas na legislação processual (CPP, art. 654, “caput”), não traduz, só por si, situação jurídica invocável pelo assistente da acusação para legitimar o seu ingresso na relação processual instaurada com a impetração do “writ”. Tais situações são absolutamente inassimiláveis.

O Ministério Público, no processo de “habeas corpus” - que configura processo penal de caráter não condenatório -, desempenha a típica função institucional de “custos legis”. Ressalvada a hipótese legal de ser, ele próprio, o impetrante do “writ” (situação inocorrente neste caso), o Ministério Público atua como órgão interveniente, velando pela correta aplicação das leis.

Daí o já haver sido proclamado que o Ministério Público, na ação penal de “habeas corpus”, exerce, ordinariamente, a função de “custos legis”. Em sendo assim, e “(...) não havendo, no processo de habeas corpus, quem acuse, não se pode falar em assistente do Ministério Público, pois tal assistência não diz com todas as funções daquela Instituição, já que a interferência do particular na ação penal pública é de conteúdo específico” (RT 590/359-361, 360, TACRIM/SP, Rel. Juiz Adauto Suannes).

Em suma: o assistente da acusação não ostenta a situação jurídica de parte nas ações de “habeas corpus”, cujos sujeitos processuais, como já ressaltado, são, unicamente, o impetrante, o paciente, a autoridade coatora, o Ministério Público e o próprio Juiz.

Sendo assim, e em face das razões expostas, determino a devolução, ao assistente do Ministério Público, da petição protocolada sob nº 86555/2008-STF (fls. 115) e dos documentos que a instruem (fls. 116/195), acompanhados de cópia da presente decisão.

Publique-se.

Brasília, 1º de agosto de 2011.
Ministro CELSO DE MELLO

Relator
* decisão publicada no DJe de 8.8.2011

** nome suprimido pelo Informativo


“Denúncia - Inépcia - Princípios Constitucionais - Acusação Penal e Estado Democrático de Direito (Transcrições)


 
HC 93.033/RJ*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA:HABEAS CORPUS”. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO. POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA. COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DELEGADA, EM SEDE REGIMENTAL, PELA SUPREMA CORTE (RISTF, ART. 192, “CAPUT”, NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009). AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.

FALSIDADE IDEOLÓGICA E FRAUDE PROCESSUAL. PRETENDIDA NULIDADE DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AO PACIENTE. INEXISTÊNCIA, AINDA, DE DADOS PROBATÓRIOS MINÍMOS QUE VINCULEM O PACIENTE AOS EVENTOS DELITUOSOS. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO SATISFAZ, PLENAMENTE, AS EXIGÊNCIAS LEGAIS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. RELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO PENAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM, CONFORMAM E LIMITAM A ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO. RECONHECIMENTO DE QUE HOUVE, NO CASO, TRANSGRESSÃO AO DEVER ESTATAL DE PRODUZIR ACUSAÇÃO JURIDICAMENTE IDÔNEA, PROCESSUALMENTE APTA E FORMALMENTE PRECISA. EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO PENAL CONDENATÓRIO. DOUTRINA. PRECEDENTES. PEDIDO DEFERIDO.

DECISÃO: Registro, preliminarmente, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 30, de 29 de maio de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de “habeas corpus”, “ainda que de ofício”, desde que a matéria versada no “writ” em questão constitua objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal” (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela ER nº 30/2009).

Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557) que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema definido em “jurisprudência dominante” no Supremo Tribunal Federal.

Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

A legitimidade jurídica desse entendimento decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais, dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175 - RTJ 173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que este Tribunal, em recentes decisões colegiadas (HC 96.821/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 104.241-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do próprio mérito da ação de “habeas corpus”, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 192 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 30/2009.

Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia ora em exame ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática sobre o litígio em questão.

Passo, desse modo, a examinar a pretensão ora deduzida na presente sede processual.

Trata-se de “habeas corpusimpetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 21):

HABEAS CORPUS’ – CRIMES DOS ARTIGOS 299 E 347, DO CÓDIGO PENAL, EM CONCURSO DE AGENTESINÉPCIA DA DENÚNCIAINOCORRÊNCIADENÚNCIA EM PARTE GERALNARRATIVA SATISFATÓRIA DA CONDUTA IMPUTADA À PACIENTEINÉPCIA DA DENÚNCIAIMPOSSIBILIDADEORDEM DENEGADA.

I - É geral, e não genérica, a denúncia que atribui à mesma conduta a todos os denunciados, desde que seja impossível a delimitação dos atos praticados pelos envolvidos, isoladamente, e haja indícios de acordo de vontades para o mesmo fim.

II - É impossível a alegação de constrangimento ilegal, por inépcia da denúncia, quando esta contém os requisitos necessários e possibilita ampla defesa à paciente.

III – Denegaram a ordem.

(HC 62.591/RJ, Rel. Min. JANE SILVA - grifei)

A parte ora impetrante postula, no presente “writ” constitucional, a extinção do processo penal condenatório, em cujo âmbito se imputa, ao ora paciente, a prática dos crimes de falsidade ideológica e de fraude processual, tipificados no art. 299 e no art. 347, ambos do Código Penal.

Sustenta, o impetrante, que “(...) A imprecisão é a marca da denúncia. Esta peça não descreve qual (ou quais) teriam sido os atos concretos, praticados ou omitidos pelo paciente, limitando-se a empregar os verbos (núcleos do tipo) sempre na 3ª pessoa do plural (...)” (fls. 05).

O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. MARIO JOSÉ GISI, opinou pelo indeferimento do “habeas corpus” (fls. 107/113).

Entendo assistir razão ao ora impetrante.

Não se desconhece que a simples instauração da “persecutio criminis in judicionão constitui, só por si, situação caracterizadora de injusto constrangimento, notadamente quando iniciada por peça acusatória consubstanciadora de descrição fática cujos elementos se ajustem, ao menos em tese, ao tipo penal.

Impõe-se, no entanto, que a peça acusatória, ao veicular certa imputação penal, encontre suporte em elementos informativos que permitam, ainda que minimamente, a verificação da possível ocorrência de delito, qualquer que seja este, atribuído ao acusado, trate-se de denunciado, cuide-se de querelado.

Isso significa, portanto, que, ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa ajustar-se, em tese, ao preceito primário de incriminação, mesmo assim esse elemento não bastará, só por si, para tornar viável e admissível a imputação penal consubstanciada em queixa-crime ou em denúncia, conforme o caso.

Se é certo, de um lado, que não se revela imprescindível o inquérito policial ao oferecimento de denúncia ou de queixa-crime, não é menos exato, de outro, que, sem dados probatórios mínimos, que revelem a existência de uma necessária base empírica, torna-se absolutamente inviável o processamento da ação penal condenatória.

Não foi por outra razão que esta Suprema Corte reconheceu impor-se, à parte acusadora, o ônus de demonstrar, mediante elementos mínimos de informação (RTJ 182/462, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Inq 112/SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER), os dados de convicção, que, ao sugerirem a possível ocorrência dos fatos narrados na peça acusatória, indiquem a viabilidade do próprio processo penal de condenação:

 
INQUÉRITO. CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL. RECEBIMENTO DE QUEIXA-CRIME. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE PROVA. QUEIXA-CRIME REJEITADA.

Para o recebimento de queixa-crime é necessário que as alegações estejam minimamente embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de efetiva ocorrência dos fatos. Posição doutrinária e jurisprudencial majoritária.

Não basta que a queixa-crime se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito às regras do indiciamento e ao princípio da presunção de inocência.

Queixa-crime rejeitada.

(RTJ 194/105-106, Rel. Min. NELSON JOBIM, Pleno - grifei)


Cumpre ressaltar, neste ponto, que esse entendimento - que põe em destaque a importância e a necessidade do controle judicial dos requisitos legitimadores da instauração da “persecutio criminis” - reflete-se no magistério de autorizados doutrinadores (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. II/200-201, item n. 349, 2ª ed., 2000, Millennium; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 1/121, 4ª ed., 1999, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal”, p. 188, 7ª ed., 2000, Atlas).

Tendo em vista a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica), não se pode desconsiderar, na análise do conteúdo da peça acusatória - conteúdo esse que delimita e que condiciona o próprio âmbito temático da decisão judicial -, que o sistema jurídico vigente no Brasil impõe, ao Ministério Público, quando este deduzir determinada imputação penal contra alguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática de infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do “due process of law”, e sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, apreciar a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação.

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez (RTJ 64/342), já decidiu que “Não é essencial ao oferecimento da denúncia a instauração de inquérito policial, desde que a peça-acusatória esteja sustentada por documentos suficientes à caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria” (RTJ 76/741, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO - grifei).

Cumpre ter presente, desse modo, que se impõe, ao Estado, no plano da persecução penal, o dever de definir, com precisão, a participação individual dos autores de quaisquer delitos.

O Poder Público, tendo presente a norma inscrita no art. 41 do Código de Processo Penal, não pode deixar de observar as exigências que emanam desse preceito legal, sob pena de incidir em grave desvio jurídico-constitucional no momento em que exerce o seu dever-poder de fazer instaurar a “persecutio criminiscontra aqueles que, alegadamente, transgrediram o ordenamento penal do Estado.

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, em decisão de que foi Relator o saudoso Ministro BARROS MONTEIRO, deixou consignada expressiva advertência sobre o tema ora em exame (RTJ 49/388):


Habeas Corpus’. Tratando-se de denúncia referente a crime de autoria coletiva, é indispensável que descreva ela, circunstanciadamente, sob pena de inépcia, os fatos típicos atribuídos a cada paciente. Extensão deferida, sem prejuízo do oferecimento de outra denúncia, em forma regular.” (grifei)


Essa orientação, que reputa ser indispensável a identificação, pelo Estado, na peça acusatória, da participação individual de cada denunciado, tem, hoje, o beneplácito de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (HC 80.549/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM - HC 85.948/PA, Rel. Min. AYRES BRITTO – RHC 85.658/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.):


1.Habeas Corpus. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492, de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. 3. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC nº 86.294-SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 03.02.2006; HC nº 85.579-MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24.05.2005; HC nº 80.812-PA, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC nº 73.903-CE, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC nº 74.791-RJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 4. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Precedentes: HC nº 73.590-SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC nº 70.763-DF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7. ‘Habeas corpusdeferido.

(HC 86.879/SP, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES - grifei)

HABEAS CORPUS’ - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONALRESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – LEI Nº 7.492/86 (ART. 25) – DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO AO DIRETOR DE CÂMBIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE O VINCULE, COM APOIO EM DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO – INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO.

PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA.

O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático – impõe, ao Ministério Público, a obrigação de expor, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do ‘due process of law’, ter em consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas.

A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA.

A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria ‘res in judicio deducta’.

A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve, adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes.

PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AO ADMINISTRADOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO INÉPCIA DA DENÚNCIA.

- A mera invocação da condição de diretor em instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule ao resultado criminoso, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.

A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção em instituição financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal em juízo.

AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA.

- Os princípios constitucionais que regem o processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.

É sempre importante reiterarna linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.

(HC 83.947/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias constitucionais do devido processo legal (‘due process of law’). Nulidade absoluta e insanável. Superveniência da sentença condenatória. Irrelevância. Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação do art., incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de narração deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão.

2. AÇÃO PENAL. Delitos contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos arts. 21, § único, e 22, caput’, da Lei 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da ordem ao co-réu. Inteligência do art., incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18, 20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos. No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito crime societário’, é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou administrador de empresa.

(HC 83.301/RS, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO - grifei)

A leitura da denúncia (fls. 18/19) - peça ora questionada nesta sede processual - permite constatar, a meu juízo, que o Ministério Público, ao formular acusação imperfeita, não só deixou de cumprir a obrigação processual de promover a descrição precisa do comportamento do ora paciente, como se absteve de indicar fatos concretos que o vinculassem ao evento delituoso narrado na peça acusatória.

Tenho para mim, por isso mesmo, que, no caso presente, a ausência, na peça acusatória em questão, de individuada e detalhada descrição dos comportamentos delituosos atribuídos ao ora paciente faz emergir, desse ato processual, grave vício jurídico, de que pode derivar, como efeito conseqüencial, séria ofensa aos “princípios da lealdade processual, do contraditório no processo penal e da defesa plena” (RTJ 33/430, Rel. Min. PEDRO CHAVES).

Cumpre ter presente, neste ponto, a advertência constante do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que, ao insistir na indispensabilidade de o Estado identificar, na peça acusatória, com absoluta precisão, a participação individual de cada denunciado - e considerada a inquestionável repercussão processual desse ato sobre a sentença judicial -, observa que “Discriminar a participação de cada co-réu é de todo necessário (...), porque, se, em certos casos, a simples associação pode constituir um delito per se, na maioria deles a natureza da participação de cada um, na produção do evento criminoso, é que determina a sua responsabilidade, porque alguém pode pertencer ao mesmo grupo, sem concorrer para o delito, praticando, por exemplo, atos penalmente irrelevantes, ou nenhum. Aliás, a necessidade de se definir a participação de cada um resulta da própria Constituição, porque a responsabilidade criminal é pessoal, não transcende da pessoa do delinqüente (...). É preciso, portanto, que se comprove que alguém concorreu com ato seu para o crime” (RTJ 35/517, 534, Rel. Min. VICTOR NUNES LEAL - grifei).

Tem-se, desse modo, que se revela inepta a denúncia, sempre que - tal como no caso ocorre - a peça acusatória, sem especificar, de modo detalhado, a participação dos acusados, vem a atribuir-lhes virtual responsabilidade pelo evento delituoso.

Não custa enfatizar que, no sistema jurídico brasileiro, não existe qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, em sede penal, a culpa de alguém.

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.

Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal, quer, com maior razão, para fins de prolação de juízo condenatório.

Torna-se essencial insistir, portanto, na asserção de que, “Por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal”, consoante proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 165/596, Rel. Des. VICENTE DE AZEVEDO).

Cumpre ressaltar, neste ponto, que a análise de qualquer peça acusatória impõe que, nela, se identifique, desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que, além de estar concretamente vinculado ao comportamento de cada agente, deve ser especificado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatal da acusação penal.

Como já precedentemente enfatizado, a imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 165/877-878, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Este, para que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que a acusação - que deve sempre narrar a participação individual de cada agente no evento delituoso - não se transforme, como advertia o saudoso Ministro OROSIMBO NONATO, em pura criação mental do acusador (RF 150/393).

Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público no processo penal de condenação consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do Código de Processo Penal, a possibilidade de efetiva atuação da cláusula constitucional da plenitude de defesa.

Daí a advertência presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa.

A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta.

(RTJ 165/877-878, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

 
Não se pode desconhecer que, no processo penal condenatório - que constitui estrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade persecutória -, antagonizam-se exigências contrastantes que exprimem uma situação de tensão dialética, configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo Estado e o desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu.

A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato criminoso, não se projeta nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo estatal. De exercício indeclinável, a “persecutio criminissofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento jurídico. A tutela da liberdade, desse modo, representa uma insuperável limitação constitucional ao poder persecutório do Estado.

As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dispensadas pela ordem jurídica à preservação, pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo acusado, do seu estado de liberdade.

Tenho salientado, nesta Corte, que a submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidade do “jus libertatis” titularizado pelo réu, de outro.

A persecução penal, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, rege-se por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal pode ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu.

A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria “res in judicio deducta”.

A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa.

Em uma palavra: denúncia que não descreve, adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao evento delituoso qualifica-secomo ressaltado pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal - como denúncia inepta (RTJ 57/389 – RTJ 163/268-269).

Essa diretriz jurisprudencial, que tem preponderado na prática processual desta Suprema Corte, nada mais reflete senão antigo e clássico magistério de JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR (“O Processo Criminal Brasileiro”, vol. II/183, item n. 305, 4ª ed., 1959, Freitas Bastos), eminente Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e Ministro deste Supremo Tribunal Federal:

 
Vamos, agora, determinar as formalidades da queixa e da denúncia.

........................................................................................

É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (‘quis’), os meios que empregou (‘quibus auxiliis’), o malefício que produziu (‘quid’), os motivos que o determinaram a isso (‘cur’), a maneira por que a praticou (‘quomodo’), o lugar onde a praticou (‘ubi’), o tempo (‘quando’). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes.” (grifei)

 
Igualmente lapidar, sob esse aspecto, o magistério de ALBERTO SILVA FRANCO, eminente Desembargador paulista, para quem (RT 525/372-375):

 
Num processo de tipo acusatório, não se compreende que o objeto da acusação fique ambíguo, indefinido, incerto ou logicamente contraditório, pois é ele que estabelece os limites das atividades, cognitiva e decisória, do Juiz. A este efeito do objeto da acusação é que EBERHARD SCHMIDT denominou de vinculação temática do Juiz. Este só pode ter ‘como objeto de suas comprovações objetivas e de sua valoração jurídica aquele sucesso histórico cuja identidade, com respeito ao fato e com respeito ao autor, resulta da ação (...).” (grifei)

 
Não custa rememorar que foi em proveito da liberdade individual que se impôs, ao órgão da acusação, o dever de incluir, na denúncia, todos os elementos essenciais à exata compreensão da imputação penal deduzida contra o suposto autor do comportamento delituoso.

Essa obrigação processual do Ministério Público – insista-se - guarda íntima conexão com uma garantia fundamental outorgada pela Constituição da República em favor daqueles que sofrem, em juízo, a persecução penal movida pelo Estado: a garantia da plenitude de defesa.

É por essa razão que VICENTE GRECO FILHO (“Manual de Processo Penal”, p. 64, 1991, Saraiva), ao versar o tema referente aos princípios constitucionais que regem o processo penal, estabelece o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa, processualmente apta e juridicamente idônea, de um lado, e o direito individual do acusado à ampla defesa, de outro:

 
Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e completa da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias. Uma descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a possibilidade de trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo a inicial. Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o fato de que deve defender-se.” (grifei)

 
É que, se assim não for, inverter-se-á, de modo ilegítimo, no processo penal de condenação, o ônus da prova, com evidente ofensa à presunção constitucional de inocência.

Não custa enfatizar, por isso mesmo, na linha do magistério jurisprudencial consagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que “Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5)” (RTJ 161/264-266, 265, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Torna-se relevante salientar, neste ponto, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal tem censurado a formulação de denúncias ineptas, fazendo-o em decisões consubstanciadas em acórdãos assim ementados:

 
“‘HABEAS CORPUS’. DENÚNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO PREENCHIDOS.

1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes.

2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.

3 - Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

4 - Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.

(RTJ 195/126, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)

 
“‘Habeas Corpus’. (...). 3. No caso concreto, a denúncia limita-se a reportar, de maneira pouco precisa, os termos de representação formulada pelos policiais rodoviários federais envolvidos. Não narra o ato concreto do paciente que configure ameaça ou abuso de autoridade. A peça acusatória não observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma persecução criminal minimamente aceitável. 4. Na espécie, a atividade persecutória do Estado orienta-se em flagrante desconformidade com os postulados processuais-constitucionais. A denúncia não preenche os requisitos para a regular tramitação de uma ação penal que assegure o legítimo direito de defesa, tendo em vista a ausência de fatos elementares associados às imputações dos crimes de ameaça e abuso de autoridade. Precedentes: HC nº 86.424/SP, acórdão de minha relatoria, Rel. originária Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, por maioria, DJ de 20.10.2006; HC nº 84.388/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ de 19.05.2006; e HC nº 84.409/SP, acórdão de minha relatoria, Rel. originária Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, por maioria, DJ de 19.08.2005. 5. Ordem concedida para que seja trancada a ação penal instaurada contra o paciente, em face da manifesta inépcia da denúncia.

(HC 86.395/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)

 
Cabe referir, finalmente, expressiva passagem do douto voto-vencido, da lavra do eminente Desembargador ROBERTO GUIMARÃES, proferido no julgamento do HC nº 2006.059.00570 (fls. 34/36), a propósito do caso ora em exame:

 
- Ao que indicam os termos em que foi lavrada a denúncia juntada por cópia a fls. 18/20 destes autos, a acusação se baseia em um fato até agora não demonstrado em Juízo, a saber: a alegação, por parte do Sr. **, de que o inventariado ** lhe teria transferido enquanto vivo, por doação, 99,95% das ações ao portador da empresa ** S/A.

A denúncia chega a referir-se a uma simples ‘hipótese de o de cujus ter deixado um testamento no cofre que alugava no Citybank’.

Ora, a denúncia, em sede dos Direitos Penal e Processual, reveste-se de extrema gravidade e traz seríssimas repercussões para a pessoa e a vida do acusado. Por isso mesmo, não pode ela ter, como pano de fundo e sustentação, meras alegações, ainda não provadas cabalmente perante o respectivo Juízo de Direito, e, muito menos, trazer como argumentos meras hipóteses e não, fatos devidamente comprovados.

- Pelos documentos fotocopiados que instruem o presente remédio constitucional, o mencionado Sr. **, ao contrário do que alega a peça acusatória ora guerreada, não obteve nenhuma vitória nas lides judiciais que propôs contra o Espólio de **. Assim se lê na sentença proferida na ação cautelar de arrolamento de bens, a fls. 21/24; na certidão de fls. 40 quanto ao indeferimento da petição inicial em ação cautelar ‘para o fim de ser declarado (‘sic’) a inalienabilidade dos bens que integram o ativo da empresa ré’, ou seja, da ** S/A; na certidão de fls. 41, noticiando a desistência homologada por sentença de ação ordinária com vistas a anular a Assembléia Geral Ordinária realizada pela referida empresa; e na certidão de fls. 42, noticiando outra desistência homologada por sentença em ação de protesto contra alienação de bens proposta em face da mesma empresa ** S/A.

Em conseqüência, onde se encontra ‘a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias’ exigida pelo art. 41 do Código de Processo Penal para legitimar a propositura de uma ação penal de natureza pública em face do impetrante?

- Ademais, informa o documento de fls. 29 que o inventário em questão foi aberto em 1º/03/2000, enquanto que a inventariante ** somente outorgou instrumento de procuração ao ora impetrante em 04/09/2000, mais de 06 (seis) meses da abertura do inventário, lavrado o documento em Allschwil, na Suíça (vide fls. 26 e verso e 27).

Assim, jamais poderia ele ter participado da abertura do inventário de ** como afirma a denúncia de fls. 18/19.

- Por fim, o rito processual do inventário permite que as declarações iniciais do inventariante sejam corrigidas e até impugnadas por eventuais interessados, devidamente legitimados. Essas possibilidade e previsão processual, a meu sentir, elidem a justa causa com relação também às duas outras denunciadas.” (grifei)

 
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, e não obstante o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro o pedido de “habeas corpus”, para invalidar, desde a denúncia, inclusive, o Processo-crime nº 2004.001.144327-0, instaurado contra o paciente, ora em curso perante a 20ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ, sem prejuízo da possibilidade de o Ministério Público oferecer nova peça acusatória, desde que juridicamente idônea e processualmente apta.

Comunique-se o teor da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 62.591/RJ), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC nº 2006.059.00570) e ao Juízo de Direito da 20ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ (Processo-crime nº 2004.001.144327-0).

Os ofícios em questão deverão ser instruídos com cópia da presente decisão.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 1º de agosto de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

* decisão publicada no DJe de 8.8.2011

** nomes suprimidos pelo Informativo